sábado, 9 de setembro de 2017

A FEIRA




                                                            Carybé - A Chuva




Carybé - Boiada na Chuva.(Travessia)




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - As Vendedoras




Carybé - Os Magarefes




Carybé - Capoeira




Carybé - A Feira




Carybe - Criador de Passarinhos




Carybé - Galinha Legorn




Carybé - O Vaqueiro com Pega e Mulata




Carybé - Rua do Meio




                     Tabaréus, mascates, comedores de fogo, propagandistas, violeiros, improvisadores, vendedores de pássaros, domadores de macaco, todos se distribuem na imensa faixa calçada que vai da loja Pires, na rua Direita, atravessa as praças João Pedreira e da Bandeira, até perder-se na cabeceira da avenida Getúlio Vargas. Além da esquina do Santanópolis, além da rua do Sol
.
                   A massa humana em movimento, em transações. E senhoras e senhores, conheçam a estória em prosa e verso das façanhas do Lucas da Feira. O aviso é um alerta na multidão, o poeta popular desloca-se agilmente em meio aos espectadores, coloca-se no centro da roda. Quem sabe ler que leia dessa literatura, quem não sabe que ouça de ouvidos bem abertos.

                  Festas, fogos de vistas, luminárias. Gentes de longe chegam para ver. O maior cangaceiro do sertão baiano, vinte anos de mortes, assaltos, fugas, combates, perseguições, o fim na forca. Seu pai de criação, um padre; nascera de mãe escrava. Salteador, escreveu não leu, pau comeu. Começa com ele o ciclo do cangaço nordestino. Vem ver, gente, a estória de Lucas da Feira. Os amores de Lucas. O porquê do Limão. Dom Pedro Segundo não resistiu á tentação de conhecê-lo. Palácio Imperial, um visitante de fama singular. Protocolo? Dispensado. Atenção, Dona Teresa Cristina desmaiou, cruz credo, esse é o Lucas da Feira? O último pedido, o chilique da Imperatriz, a pena confessada do Imperador. O último pedido. O foguetório. O corpo do Lucas a balançar na forca.

                  Da esquina do Ginásio Santanópolis até o colo do Ponto Central. Além das cercas dos Celestinos, uma reta só em chão batido, a poeira, a feira seguindo seu curso que nem rio, com nascente e foz, fluxos que se estendem e se reencontram, que refluem, estágios superiores, médios e inferiores, leito ora manso. Ora acidentado, margens, a feira dividida em espaços de frutas, cereais, carnes, sacaria, cerâmica, farinha, aves, cestarias, trançados, peças de corte e de tiro, perfumarias, panos, tecidos finos e grossos, artigos de ferro, artesanato sertanejo, talhas, porrões. Potes, resfriadores, vasos, adornos. O barro cru e queimado, seções de frutas, tamarindo, abacaxi, fruta-pão, manga, umbu, laranja, seções de peixe, de água doce e salgada do mar.
               
              Sons criadores emergem do alarido da feira. Sons de berimbau elevam-se. (...)

              Mais rodas se formam espontâneas, capoeiras, pretos de peito nu e calças brancas ensaiam passos, aprimoram escolas. Jogo ligeiro, camarado no coração da feira. São Bento Grande, Mestre Muritiba.

                             Besouro quando morreu
                             Abriu a boca e falou
                             Que o mundo vai se acabar
                             A canga fica pro chamador
                             E no dia do dilúvio
                             O mundo todo paralisou.
                             Viado perdeu a tria
                             Tatu no buraco entrou
                             E o cago foi dizendo
                             Ai, meu Deus pra onde vou?

As vozes seguram, então, o estribilho:

                            Ei, zum, zum, zum,
                            Capoeira mata um
                            Ei, zum, zum, zum,
                            Capoeira mata um.

Mestre Muritiba entra novamente:

                           Atirei num cutia
                          por cima duma cancela
                          Quando a cutia caiu
                           eu caí em cima dela
                           Tirei o couro, espichei
                           e fiz uma capa de sela.
                           Se você tá duvidando
                           pergunte ao Loreano
                           que anda montado nela.(...).
                           
                             
                   Havia ainda uma feira menor, em sentido horizontal, intercalada nas ruas que cruzam a praça João Pedreira e a avenida Getúlio Vargas. Mais ou menos doméstica, do povo dos subúrbios, dos pobres do Centro que trazem suas garapas de cana, limão, laranja, maracujá, mangaba, bordados, miudezas caseiras, baratas, para perto dos negociantes de artefatos de couro, chinelos, alparcatas Maria Bonita, bijuterias, redes de cabelo, armarinhos, da rua Salles Barbosa principalmente. Do Mercado Municipal aos arredores do Cassino do Lindinho Labareda, banqueiro do jogo do bicho e do jogo do amor, mulheres da vida passeiam seus brincos de vidros, seus balangandãs encomendados na Bahia, suas jóias multicores – essa feira recria encantos. (...).

                 A feira ferve na segunda-feira, a feira urbana, do comércio doméstico. Entre essa feira, que antes já foi na terça e que agora começa verdadeiramente na sexta á noite, atravessa o sábado e o domingo, para esgotar-se na segunda – entre essa feira e a feira do gado, na Queimadinha, Florêncio se movimenta, se agita se realiza. E quem não há de?.

                Do Missuíça ao Dálvaro do Amor Divino, todo mundo se encontra e se reencontra na feira, para comprar ou para assuntar, para falar ou para ouvir, para aprender ou para ensinar. Venha, venha à Feira de Santana numa segunda-feira, com seus tabaréus, seus sertanejos, seus matutos, seus forasteiro, seus comerciantes, seus pensadores, seus poetas, seus sábios, seus macumbeiros, seus oradores, suas mulheres, seus artífices, seus mestres, seus negociantes, seus coronéis. E fique para a micareta, a maneira daqui de ser carnaval, a micareme. Há os Fantoches, a Cruz Vermelha, os Gaiatos do Mercado e as Melindrosas da Queimadinha.

               Nessa feira do comércio doméstico, da praça João Pedreira à avenida Getúlio Vargas ou na Feira do Boi, a do Campo do Gado, os tabaréus chegam de léguas afastadas, descem de serras distantes ou sobem caminhos acima do sertão, de chapadas e de terras estorricadas, com seus frutos, os frutos da terra trabalhados por eles. Suas esteiras, suas cestas de pindoba, seus artefatos de sisal, os objetos de barro cozido, sua arte rude, barata, herdada dos mamelucos, dos índios, dos pretos escravos que povoaram Santana dos Olhos D’ Água.

             Esses homens, mulheres e crianças que movimentam suas ilusões construídas em suores de três dias em cada semana, para estar na Feira de Santana, sexta-feira e dormir ao relento, na frieza, a esperar o comprador, habitam choupanas com uma ou duas aberturas que servem de porta e janela, são casas de taipa, com paredes de barro, o barro atirado com a mão, no tapa, pedaços de madeira, alguma areia, algum cal.

            São pobres como os pretos, tão pobres quanto os pretos e assim, embora brancos ás vezes de olhos verdes, azuis, os que assim são também como pretos são tratados porque são pobres, chegam e saem, entram e saem da feira como anônimos, entram na cidade silenciosos, com seus objetos na cabeça, ou nos ombros, ou na carroça, ou na cangalha dos animais, dos poucos animais que têm para carregar seus produtos e voltam, montados ou a pé, a cada semana, vêm e voltam com seus trastes, as sobras da feira, com pequenas aquisições, o que deu com o dinheiro ganho, juntos, unidos na volta como na ida, para suas casas de palha e taipa, onde dormem e acordam com muitas juras mas sem muitas esperanças, onde dormem e comem e vivem juntos, sobre o chão batido, ai procriando, em cima da esteira, do pano ralo a forrar o chão batido, muitas vezes sobre palhas estendidas como tapetes, lençóis ou toalhas, para comer e dormir. Homens, mulheres e crianças, pobres absolutos, que vivem como bichos, entre seus cavalos, seus porcos, seus cachorros, seus gatos, seus enganos, suas efemeridades, mas não sua felicidade.

          Alguns desses homens e mulheres, crianças da roça que se fizeram adultos, vivem como bichos, sem luz, suas carências, suas necessidades, rompem a união e não regressam. O pai-de-santo, o aguadeiro, o carregador, a mulher da rua do Meio ou o operário da olaria que conseguiu um lugar de ala das Melindrosas, são ex-tabaréus, ex-matutos que se inserem na humanidade de Feira de Santana, entre os piauienses, os alagoanos, os sergipanos, os pernambucanos, os de toda parte que se atropelam nas ruas e avenidas novas, nas vias da febre do crescimento da cidade, nos ramais do boi, no Campo do Gado.

         Uma vez ou outra, pela mão de um coronel ou de um liberal, um desses homens ou mulheres ingressa na sociedade, confraterniza, distribui cartões de visita e disputa preferências – mas, o coronel Farinha ou o Dr. Bonfim, como bons patriotas, logo advertem para a origem humilde, até há pouco tempo eram simples matutos, tabaréus, hoje têm a vida feita, são felizes, são felizes.

                                      Viado perdeu a tria
                                      Tatu no buraco entrou
                                      E o cago foi dizendo
                                     Aí, meu Deus, pra onde vou?

        O som da capoeira, o som da feira, de Mestre Muritiba, letra e melodia, se faz eco, acompanha os passos de Florêncio.

                                    Ei, zum, zum, zum,
                                    Capoeira mata um
                                    Ei, zum, zum, zum,
                                   Capoeira mata um.

       Ele vai andando e cantando, trauteando, trauteando. E quando a segunda-feira nada dá ou dá muito pouco, os recados, as encomendas, os mandados, Florêncio espera pela terça e se junta aos carroceiros que com suas carroças vão recolhendo pelos caminhos, picadas da Queimadinha, nas trilhas do Campo do Gado, do Matadouro, do boi, boiada, a bosta que ficou ao chão para o sol secar, a secar, a ser recolhida para vender como esterco. As carroças da bosta, do estrume, do dejeto do boi, recolhem e vendem nas fazendas, nas plantações, para o esterco, para a riqueza da terra, os laranjais, as lavouras de frutas e cereais, vai andando e cantando, trauteando, trauteando, que mais há para fazer? E é pouco? Vida, vida, bela vida, vidaça.

       - Hem, Florêncio, vamos à bosta amanhã?
É o Pulinho, filho de criação de Tom Palanque, quem pergunta.
      - Amanhã tem bosta?
      - Tem.
      - Então, vamos.(...).

Juarez Bahia: SETEMBRO NA FEIRA. (Romance). Págs.: 148, 151, 156 a 160. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.




                                                             

Carybe - A Feira




Carybe - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira



Carybé - Cipó.(Zabumba)




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - Sem Titulo




Carybé - A Feira




Carybé - A Feira




Carybé - Retirantes




Carybé - Boiada




- SALÃO DE AUDIÇÃO -


A Feira. (Samba)
Àlbum : Minha Terra


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